Via Portal TERRA -
A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) pediu à presidente Dilma Rousseff
"medidas concretas e eficazes" para proteger os jornalistas, após o
assassinato de dois em maio, que se somam a uma longa lista nos últimos
anos.
Em carta divulgada nesta segunda-feira, a RSF também cobrou que a luta
contra a impunidade que prevaleceu na maioria desses crimes "deve ser
uma prioridade" porque sem investigações imparciais que permitam
identificar e punir os culpados a situação "continuará sendo precária".
"O Brasil é o terceiro país mais mortífero da América" para os
jornalistas após México e Honduras, com 38 assassinatos relacionados ao
exercício da função entre 2000 e o fim de 2014.
A esses se somam três deste ano, sendo o último Djalma Santos da
Conceição, da rádio "RCA FM", que foi sequestrado e assassinado no dia
22 de maio em Conceição da Feira, na Bahia.
O radialista, que tinha sido alvo de ameaças e cujo corpo apareceu com
sinais de tortura, investigava a morte de uma adolescente por
traficantes, destacou a organização.
Outro profissional de comunicação apareceu decapitado no dia 18 de maio
perto de Padre Paraíso, ao nordeste de Minas Gerais, cinco dias após
seu desaparecimento.
Evany José Metzker, fundador do blog "Coruja do Vale", que investigava
há meses sobre tráfico de drogas e prostituição infantil, tinha
denunciado diversos casos de corrupção na região e apontado o
envolvimento de autoridades locais.
No dia 4 de março, o jornalista paraguaio da "Rádio Cidade Nova", da
cidade paraguaia de Vala Pytã, Gerardo Servián foi assassinado em Ponta
Porã, no Mato Grosso do Sul.
A Repórteres sem Fronteiras também se referiu à "forte repressão
policial" sofrida pelos profissionais que cobriam as manifestações
contra a alta do preço do transporte público em São Paulo entre junho de
2013 e julho de 2014, e contra os gastos da Copa do Mundo e dos Jogos
Olímpicos.
"Um ano depois desse relatório, essas propostas continuam sendo letra
morta", lamentou a RSF, que considerou que o combate à violência contra
os jornalistas "é mais do que nunca necessário e urgente".
Carta à presidente
À Exma. Senhora Dilma Roussef
Senhora Presidente,
No momento em que o Brasil acaba de ser palco de dois brutais
assassinatos de jornalistas em menos de uma semana, Repórteres Sem
Fronteiras, organização internacional de defesa da liberdade de
informação, exorta o Brasil a adotar, com a maior brevidade, medidas
concretas e eficazes para garantir a proteção dos protagonistas da
informação e para lutar contra a impunidade dos crimes contra eles
cometidos.
O Brasil é o terceiro país mais mortíferos da América Latina para os
jornalistas, só atrás do México e das Honduras, com 38 jornalistas
assassinados, entre 2000 e o final de 2014, por causas com relação
evidente ou possível com a sua actividade profissional.
Quase todos investigavam temas sensíveis, como o crime organizado, as
violações dos direitos humanos, a corrupção ou o tráfico de
matérias-primas. Se a presença do crime organizado em algumas regiões
torna a cobertura destas matérias particularmente arriscada, a
impunidade que prevalece para a maioria destes assassinatos favorece a
multiplicação dos actos de violência.
A tendência piorou nestes últimos anos com, pelo menos, dez
jornalistas mortos por causas directamente ligadas à sua profissão, em
2012 e 2013; dois em 2014 e já três assassinatos desde o início do ano,
em solo brasileiro. Djalma Santos da Conceição, radialista na RCA FM, em
Conceição da Feira (Baía), foi raptado e abatido a 22 de maio.
O seu corpo apresenta marcas de tortura. Segundo fontes locais, havia
sido vítima de ameaças e conduzia um inquérito sobre o assassinato de
uma adolescente por traficantes. A 18 de maio, o jornalista e fundador
do blog Coruja do Vale, Evany José Metzker, dado como desaparecido
durante cinco dias, foi encontrado decapitado nos arredores de Padre
Paraíso, no nordeste do estado de Minas Gerais. Investigava há vários
meses o tráfico de droga e a prostituição infantil.
Havia, também, denunciado por várias vezes casos de corrupção na
região, revelando a implicação de funcionários locais. No passado dia 4
de março, Gerardo Servian Coronel, jornalista paraguaio da Rádio Ciudad
Nueva, foi abatido em Ponta Porã, zona fronteiriça com o Paraguai.
Este agravamento da violência contra jornalistas se manifestou
igualmente no quadro das grandes manifestações contra o aumento do preço
dos transportes, em São Paulo e contra os gastos com o Campeonato do
Mundo e os Jogos Olímpicos. Entre junho de 2013 e julho de 2014, houve
uma forte repressão policial sobre os jornalistas locais e estrangeiros
que documentavam estas manifestações. Insultos, ameaças, prisões e
detenções arbitrárias, agressões e espancamentos multiplicaram-se.
A Associação Brasileira do Jornalismo de Investigação (Abraji)
contabilizou 210 ataques contra jornalistas profissionais ou amadores,
38 dos quais durante o Campeonato do Mundo, perpetrados, na sua maioria,
pela polícia militar. O jornalista Santiago Ilídio Andrade,
cinegrafista da TV-Bandeirantes, pagou com a vida a cobertura das
sublevações populares de 6 de fevereiro, no Rio de Janeiro.
Um mês após o seu falecimento, em março de 2014, o relatório do
Secretariado dos Direitos Humanos sobre a violência contra os
jornalistas recomendava, nomeadamente, a criação de um Observatório
sobre a violência contra os jornalistas, em parceria com a Unesco e a
federalização dos inquéritos sobre os crimes cometidos contra os
jornalistas.
Passado mais de um ano sobre este relatório, estas propostas
continuam por implementar. A 20 de maio de 2015, a Comissão Para a
Segurança Pública e Para o Combate ao Crime Organizado da Câmara dos
Deputados rejeitou um texto que ia no sentido da federalização.
Tendo em conta o nível de violência contra os jornalistas, a
implementação das recomendações feitas pelo grupo de trabalho do
Secretariado dos Direitos Humanos sobre a segurança dos jornalistas é,
mais que nunca, necessária e urgente.
A luta contra a impunidade deve ser uma prioridade. Sem inquéritos
independentes, imparciais e aprofundados que permitam encontrar e
castigar os culpados destes crimes, a situação dos jornalistas
continuará a ser de grande precariedade.
Agradecendo a atenção que dará ao nosso apelo, manifestamos, Senhora Presidente, a expressão da nossa mais elevada consideração.
Christophe Deloire
Repórteres Sem Fronteiras
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