Por DANIEL MAZOLA -
A imprensa sempre teve uma posição política desde
os primórdios de sua existência. Ao longo dos 200 anos de história do
jornalismo brasileiro sempre tivemos jornais e revistas que não fazem parte do
esquema das classes dominantes; sempre tivemos veículos ligados às lutas dos
trabalhadores e às correntes de pensamento contrárias ao capitalismo. Sempre
tivemos imprensa libertária, anarquista, socialista e comunista, seja no campo
dos jornais alternativos, e mesmo na chamada grande imprensa.
Mas a partir da ditadura militar-empresarial
apoiada pela CIA (1964-1985), com patrulhamento ideológico permanente nos
grandes jornais, censura, perseguição e mortes, surgiu um tipo de pensamento
único, e se consolidou o jornalismo “chapa branca”, pautado pela versão dos
vitoriosos. Nesse período de nossa história a imprensa contra-hegemônica ou
alternativa, que também foi chamada de nanica, assumiu a luta pela democracia,
contra o autoritarismo e as violências do Estado. Os veículos de comunicação
que resistiam acabaram fechados por falta de publicidade.
Hoje, a imprensa de mercado, se afigura a um
instrumento de Estado ou de grupos econômicos, uma poderosa ferramenta a
serviço das classes dominantes. O jornalista virou um funcionário burocrata. A
única saída digna é ocupar os espaços da imprensa alternativa, seja pela
internet, pelos movimentos sociais, ou pelos partidos legitimamente de
esquerda. Este jornalismo que se consolidou nas grandes Redações, nas revistas
semanais, é cada vez pior, profissional, política e culturalmente. A perda do
senso crítico é um fato.
A última grande geração de jornalistas militantes
do nacionalismo de esquerda, foi derrotada com o golpe de 1964 e ficou relegada
ao segundo plano. Osvaldo Costa, Lourival Coutinho, Fernando Segismundo, João
Antonio Mesplé, Gumercindo Cabral, Edmar Morel, entre outros, foram
profissionais que trabalhavam com ética, sinônimo de integridade e lisura
profissional, interesse público e dignidade pessoal. Helio Fernandes, para não ficar relegado ao segundo
plano, fez da Tribuna da Imprensa sua trincheira de luta e resistência ao
autoritarismo.
As novas gerações de jornalistas, e estudantes de
comunicação, na maioria não sabem nem que um dia existiu jornalismo assim.
Edmar Morel, é um ótimo exemplo dessa geração.
Começou fazendo reportagem, depois fez livro-reportagem e, em seguida,
jornalismo histórico. Fazia não só um livro sobre determinada reportagem, mas
também, se dedicava a pesquisa histórica a partir do jornalismo. Fazia a
pesquisa histórica e, ao mesmo tempo, escrevia de uma maneira jornalística com
texto mais agradável, mais claro, fácil de entender. Atualmente podemos citar,
dentre outros cada vez mais raros, Fernando Moraes nesta linha de trabalho.
A partir de 1964, foram criadas gerações de
jornalistas que não tiveram contato com essa geração anterior, criando este
vácuo, um enorme vazio. Ao mesmo tempo, a ditadura foi cerceando o perfil de
jornalista mais crítico, mais investigativo. Não apenas a ditadura, mas também
a “evolução” das empresas jornalísticas sob a forte influência do grande
capital.
A “reinvenção” do jornalismo
A mídia dominante usa seu poder para sustentar
ideologicamente o sistema capitalista, são necessárias mais vozes críticas ao
modelo de sociedade hegemônico, precisamos “reinventar” o jornalismo. Falta na
grande imprensa, hoje, uma proposta editorial no campo da esquerda, que paute
as mazelas produzidas pelo capitalismo, que priorize a defesa da igualdade e os
direitos humanos (moradia, saúde, educação, cultura, comunicação, lazer, etc)
atuando na oposição ao neoliberalismo. Defendendo o fim dos privilégios e das
discriminações, dos preconceitos e da violência do Estado contra todos que
lutam por seus direitos fundamentais.
Após o fim da ditadura, que durou 21 anos, não
surgiu nenhum homem de mídia ousado, que investisse e apostasse na criação de
um grande veículo de comunicação com uma linha editorial mais independente em
relação aos Governos e grupos empresariais; que produza um conteúdo com mais
qualidade jornalística, com boas reportagens e entrevistas, com material mais
crítico e mais comprometimento com as posições dos trabalhadores e movimentos
sociais.
Continuamos vivendo uma grande contradição: de um
lado o modelo econômico favorece a concentração dos meios em poucos
oligopólios, que dominam e controlam a informação que circula no mundo; de
outro lado existe uma pressão cada vez maior da sociedade para que o Estado
adote medidas no sentido da democratização, já que a mídia dominante usa seu
grande poder para a sustentação ideológica do sistema. É preciso que os meios
de comunicação (tvs, rádios, jornais e revistas) assumam compromissos com a
transformação social, econômica e política do Brasil.
Ficou apenas para a imprensa alternativa, cada vez
mais nanica, fazer o contraponto a imprensa dominante, de mercado, ligada ao
capital. A publicidade privada procura fortalecer os veículos do mercado, a
mídia neoliberal concentra a maior fatia das verbas privadas de publicidade nos
veículos que defendem a sociedade capitalista. Quem tem o dever de democratizar
as verbas publicitárias são os poderes públicos, na medida em que deveriam
contemplar todos os veículos da sociedade, sem discriminação, inclusive aqueles
que acreditam num outro sistema político-econômico. Defendo que as verbas
publicitárias sejam distribuídas de forma equitativa para todos os meios de
comunicação. Isso seria o início de um processo de democratização da
comunicação, necessário e fundamental para a sociedade brasileira.
A internet e o papel da universidade
A internet ainda tenta escapar do controle do
sistema, mas também já se apresenta como uma ferramenta a mais para fortalecer
o capitalismo. As mensagens comerciais
ganham em muito das mensagens de conteúdo libertário, independente e
contra-hegemônico. Hoje, a internet já é o
segundo faturamento publicitário brasileiro. Os sites mais visitados são
os mesmos da mídia empresarial tradicional. É preciso reforçar e defender o
espaço de liberdade na internet, especialmente o que está ligado às lutas dos
trabalhadores e às transformações sociais e políticas.
Outro problema crucial é a formação dos estudantes
de Jornalismo e o papel que a universidade precisa cumprir. Lamentavelmente as
universidades brasileiras estão perdidas porque não estão sintonizadas com
nenhum projeto de nação. Estão apenas formando mão-de-obra para o mercado, o
que significa não se preocupar com a pesquisa, a experimentação, a inovação e o
contato com o povo brasileiro. Raras universidades se relacionam com os
movimentos sociais, poucas interagem com os excluídos, explorados e oprimidos.
Os cursos de Jornalismo não escapam dessa lógica,
não conseguem contribuir de forma efetiva para as transformações que a
sociedade brasileira está a demandar há muitos anos. O que falta no país é
envolver a universidade num amplo projeto de inclusão – com o Jornalismo
envolvido diretamente nesse projeto. Assim todo estudante, saberá por que está
fazendo jornalismo.
As novas gerações precisam entender o verdadeiro
papel da comunicação de massa e do jornalismo, precisa ser sensível e estar
atenta às lutas dos trabalhadores, aos movimentos sociais e a crítica ao modelo
neoliberal. A sociedade precisa dessa imprensa mais independente, crítica, que
pode expor e debater todas as mazelas do sistema capitalista. Só assim
poderemos propor e construir um verdadeiro projeto de nação, hoje só a imprensa
alternativa cumpre um papel relevante de elevar o nível da consciência sobre a
realidade do Brasil e do mundo.
*Publicado originalmente em novembro de 2013 no jornal BAFAFA: